quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Dádivas

Todo o Homem possui em si uma luz que gera os seus peculiares efeitos, quando por acções ou por palavras materializada for. No fundo, reside em si uma força facilmente concretizável, se assim o desejar, algo que é sua pertença e que, como tal, poderá ser ofertado – sem jamais empobrecer o seu dador, somente enriquecendo o recebedor. Todos somos caminhantes e, em determinados momentos, todos nós compartilhamos o mesmo troço de estrada ou o mesmo tempo de viagem. E, no seio de tal convivência, quantos de nós não encontram nos pilares fortificados de seus semelhantes, os transmutadores de suas fraquezas, a génese de sua coragem? O Caminho é um lugar de múltiplos efeitos e realizações, sendo uma delas a aprendizagem. Se nos permitirmos aprender com a sabedoria de terceiros, não só estaremos a cultivar e a desenvolver o nosso próprio saber como também nos estaremos a preparar para os tempos vindouros, quando outros, chegada a sua vez, tentarão descobrir em nossa força os motivos do seu fortalecimento (a lapidação de suas fraquezas). Tudo se conjuga, como assim se constata, tudo se remete a um perfeito encaixe entre vários saberes, várias visões. Qual delas a mais perfeita? Qual delas a mais fiel, justa e verdadeira? Bem… Qual é o maior valor de uma orquestra? O solo dos instrumentos ou os refrãos onde, afinados, todos de conjugam e se complementam? Cada Homem possui a sua verdade e somente ele a deverá desenvolver, estudando e aprendendo com as demais.

Somos ou não os faróis uns dos outros? Sem nada querer ou forçar, apenas respeitando e tolerando as díspares formas de contemplar o mesmo horizonte, iluminamos com nossa luz interior (a luz intelectual em harmonia com a luz da Alma) o espaço que nos circunda. E, com o conceder dessas puras dádivas de conhecimento que todo o caminhante possui de forma livre, muitos serão os barcos que, por entre o negrume das noites sombrias, encontrarão a sua forma de regressar à margem. Mesmo assim, é importante lembrar que o farol apenas ilumina, não comanda o barco que, por si só, segue a rota definida no mar turbulento.

No Caminho existem múltiplas oportunidades de nos colocarmos à prova, de nos dedicarmos à realização daquilo que mais almejamos e à aplicação de nossos conhecimentos de viajante. Ao aproveitá-las, estaremos a aceitar o movimento fluido do seu fluxo de ocorrências, contribuindo para a mudança que desejamos ver implementada, aprendendo a ser quem sempre intentámos ser (nós próprios, no fundo – simples e autênticos). Mas valerá fortunas sentimentais toda a dádiva que ofertada seja sem verdadeira vontade, sem verdadeiro sentir? Pergunto: que sabor terá uma refeição preparada sem a mínima dedicação, empenho ou amor à tarefa elaborada? Então, porque o fazemos em tantas ocasiões? Consideramos, no seio de uma tola ilusão, que nossa imagem sai reforçada junto de outros? Porque insistimos em vestir apenas as roupagens dos “filantropos de ocasião”? Mais facilmente alimenta uma boca esfaimada aquele que pouco ou nada tem, do que aquele que promove, nobre e digno, campanhas contra esse flagelo… Jamais farei juízos de valor (quem sou eu para tal?), cada um responde por sua consciência, apenas pretendo sublinhar a espontânea e dedicada atenção ofertada, a dádiva mais pura a ser concedida. Essa sim, é a minha intenção – que possamos partilhar o nosso rico e luminoso interior com os demais irmãos de caminho, honesta e verdadeiramente, sem olhar a quem nem a qualquer porquê. Será que uma árvore escolhe a quem é que dará seus belos frutos? Não. Ela simplesmente cuida de sua oferendas, tornando-as doces e carnudas, até ao momento em que alguém com elas sacie o seu apetite. Em quantas ocasiões, então, assumimos a lição que as árvores nos concedem? É delas a bênção da dádiva, a raiz do vero Amor fraterno, Incondicional, inveterado já naquele que, através de seu pessoal exemplo, se afirma entre caminhantes como um luminoso farol no ermo da margem mais rochosa. Empreendesse-mos todos nós, de formas distintas e igualmente válidas, esse passo, essa direcção, e uma alva e casta manhã, plena de Luz, não tardaria a irromper por entre as Trevas do conformismo e do não conhecimento. No meu mais íntimo silêncio, apenas me deslumbro com a vinda desse sonho…


Pedro Belo Clara.


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