quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Entre Tempos

É uma acção associada às reacções de quem trilha o Caminho, essa de nos abrigarmos em tempos de reclusão... No fundo, até ansiamos pela actuação, pelo empreendimento, mas compreendemos os seus destrutivos efeitos no momento e logo abandonamos tal pensamento. Restará, assim, adoptar uma passividade nem sempre apaziguadora ou tranquilizante, como ideal comportamento a apresentar. No entanto, relembro a importância de se saber usar esse comportamento pois, como em tudo, o ideal será sempre atingir um ponto de equilíbrio. Se formos passivos em tempos de nítida acção, em nada iremos contribuir para o incremento da nossa realização. Assim, se tivermos em conta os impulsos que ecoam no interior de cada um de nós, escutaremos a nossa íntima sabedoria e certamente que tomaremos a decisão mais adequada ao momento que estamos a vivênciar.

No fundo, como é fácil de confirmar, não apresento – até agora – nada de novo; todos estes pontos foram já abordados e explicados em entradas anteriores. Por isso, se estiveram sempre atentos, saberão perfeitamente a que me refiro. Além disso, saberão também que tais tempos de passividade surgem, geralmente, após tempos de cultivo (retomando um termo anteriormente utilizado) – por isso, quando implementados, os deveremos deixar crescer e fortificar. Podemos regar a nossa querida plantação, mas existirão dias em que, súbita, a chuva cairá por si mesma. Rega ou zelo em demasia conduzem ao mesmo caminho: a ruína da nossa plantação. Mas o que poderá ser feito enquanto se aguarda o natural desenvolvimento das sementes plantadas? Foi precisamente a partir dessa pergunta que nasceu o presente texto. Abordámos já os dois tipos de comportamento possível, impressos em sua dualidade, mas torna-se importante referir o espaço que sempre subsiste entre esses dois tempos: o de acção e o de passividade.

É claro que as opções são sempre múltiplas. No entanto, em jeito de condensação de conteúdos, volto a evocar a metáfora (ou até alegoria, se preferirem) da plantação: o que poderá ser feito entre o tempo do cultivo e o tempo da espera pela colheita? Se nos deparássemos com tal cenário, certamente que continuaríamos a cuidar de nossas sementes, regando-as de quando em vez, ajudando-as a crescer e a tornarem-se fortes, arrancando as ervas daninhas e as demais ameaças, até constatarmos a formação do mais belo dos frutos. Pois bem, todas as hipóteses antes referidas serão possíveis neste caso. O facto de preenchermos o nosso espaço “entre tempos” com a reafirmação de todas as nossas intenções, com a fortificação de nossa fé ou confiança (em nossas capacidades, nas de terceiros ou em uma Força suprema e transcendental), contribui para o sereno cumprir das etapas vindouras. Podemos ponderar e definir novas estratégias, confiando sempre no valor e no sucesso das mesmas. Tudo isso será como que uma prece que zelará pela nossa plantação, o incremento dos necessários cuidados ao seu crescimento. Em suma, estaremos a preparar-nos em carácter para os dias que estão ainda por nascer. Tais actos poderão parecer vagos, pois seus efeitos manifestam-se de uma forma interna e demorada. Mas, uma vez cristalizados, tornam-se os pilares de nossa Alma.

Além de tudo isso, e como todo o Homem, apesar de valoroso em termos individuais, vive em comunhão com seus semelhantes, é igualmente importante escutar e fazer quebrar nossas dúvidas junto daqueles que não as possuem. Nós detemos as respostas às nossas perguntas, nós decidimos o nosso próprio rumo; mas, por vezes, quando a neblina se torna densa demais, podemos aliviar o peso de nossas dúvidas nos conselhos que outros companheiros de viagem terão para nos dar. É, na realidade, uma aprendizagem conjunta entre viajantes que se vêem cruzados no mesmo rumo, embora (e volto-o a repetir, pois é importante sublinhar-mos este aspecto) em nossas decisões residam as direcções que num futuro tomaremos. Quem caminha sabe que as respostas do Caminho podem muito bem se manifestar através das palavras de um(a) outro(a) companheiro(a), alguém que como todos nós também sorri, chora, ama, sofre e indaga. Estranhamente, ao constatarmos tal ocorrência, sentimo-nos menos sós.


Pedro Belo Clara.


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